quarta-feira, dezembro 28

Postal de Nadal

Ara entenc perquè no et vaig enviar la postal de Nadal. No va ser per falta de voluntat o de temps. Tampoc no va ser perquè no tingués il·lusió en oferir-te un indici de ternura així de petit. Va ser per un motiu tan trivial. Imagina't-ho: em vaig oblidar de comprar cola per segellar l'intimitat de les meves confessions. Et vaig comprar una postal tan maca i ara no sé què fer amb ella... Potser te la enviï. Al cap i al fi, Nadal és cada dia i estic segur que aquesta postal et farà somriure, que omplirà els teus ulls de llàgrimes i nostàlgia. Estic segur que pensaràs: si senyor, això si que és una postal de Nadal.


Traduzido pelo David

O Postal de Natal















Winter at the Convent, by Margaret Loxton

Agora sei porque é que não te enviei o postal de Natal. Não foi falta de vontade ou de tempo. Sequer falta de desejo em presentear-te com um indício de ternura tão pequeno. Foi por um motivo tão trivial. Vê lá tu: esqueci-me de comprar cola para selar a intimidade das minhas confissões. Comprei-te um postal tão giro e agora não sei o que hei-de fazer com ele. Talvez to envie. Afinal de contas Natal é todos os dias e tenho a certeza que ele te vai fazer sorrir, que vai encher os teus olhos de lágrimas e nostalgia. Tenho a certeza que vais pensar: sim senhor, isto é que é um postal de Natal.

Um poema

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

(Carlos Drummond de Andrade, do livro "O corpo")

terça-feira, dezembro 27

Hummm, que saudades...

[...]

Permito-me discordar frontalmente...

Quais são as tuas palavras favoritas?

segunda-feira, dezembro 26

domingo, dezembro 18

Pensamento do dia?

A Good Hair



Preciso de cortar o cabelo. Como se diz madeixas em inglês?

segunda-feira, novembro 28

Carta à Raquel

Recebi hoje o teu postal. Aqui não se usam caixas de correio. As portas têm uma ranhura e é por ai que a correspondência chega até nós. Cai no chão logo pela manhã. Os meus três dias de folga terminam hoje e amanhã regresso ao meu dia-a-dia, que nesta cidade sinto como se de um enorme limbo se tratasse, como se vivesse num lugar sem coordenadas temporais ou espaciais que me sustentem a queda. E caio constantemente, Raquel, numa oscilação de sentimentos, desejos e aspirações que me assusta. Vivo como se não tivesse chão debaixo dos pés, como se o perigo físico, emocional ou afectivo espreitasse a cada esquina. Confessar-te que sinto falta de tudo o que há de mais elementar é redundante, até porque se encontra implícito no conhecimento que tens de mim. É certo que ‘isto’ representa um potencial de possibilidades, mas também a cada passo que dou a minha perda é iluminada, o mundo que deixei para trás é relembrado. Tenho a sensação que por muito tempo que passe e por muito que eu consiga construir uma vida aqui o meu coração permanecerá lá, ligado à minha mãe e à minha casa, ao céu, ao cheiro e sabor da minha terra. Apesar de toda a sofisticação que eventualmente possa encontrar aqui continua a ser naquele quotidiano sem surpresas que eu quero estar, imersa no choro e riso do meu Sérgio. Confesso-te as minhas fraquezas, só a ti. Sinto que não tenho o direito de as expressar, sinto a obrigação de viver sem raízes passíveis de me roubarem a felicidade e a apetência de viver neste lugar estranho.
Ouço o Jorge Palma constantemente, canto as músicas dele cada vez que me sinto só e nesses momentos penso que a distância que vai de mim ao outro também se consubstancia nisso: no conhecimento das músicas dele, no seu rosto, na postura dele em palco. Eu conheço-o, eles não; eu conheço as idiossincrasias da minha língua, os recantos aonde ela é mais doce, mais luminosa, eles não; eu conheço os eléctricos de Lisboa, sei do cheiro das castanhas, dos elevadores, do frio refrescante das ruas das minhas cidades; conheço Viana nocturna, se fechar os olhos desvendo todo um património de recordações e desejos quase corporais. Ouço os Xutos sempre que vou trabalhar, e esse rock português transformou-se num objecto de amor. Canto ‘as saudades que eu já tinha da minha casinha’ com uma sofreguidão que me surpreende, embalo o coração na onda de recordações reais e imaginadas que a música dos Xutos, dos GNR, do Jorge Palma me inspira. Apetece-me abrir os braços a deus que eu não sei se existe e encontro na neblina nocturna de Londres um pouco da magia que procurava.

Quero sentir magia na minha vida, quero sentir que ela me pode alcançar, quero essa energia viva dentro de mim, quero que o meu coração seja um órgão envolto em generosidade e amor. Quero ser surpreendida pelos outros, ostensivamente, positivamente surpreendida. Mas tudo à minha volta me parece tão seco e árido. Faço um esforço para ser sincera, cruamente honesta comigo mesma, uso a escrita para contornar as feridas. Mas quando entro dentro de mim sinto-me envolta em escuridão, sinto os sentimentos oscilantes, a tristeza perto. Procuro a frase, a oração, o ritual que me devolva aquilo que mais falta me faz, que me devolva o sentido das coisas, que me devolva a crença na minha beleza, nas mimhas potencialidades. Mas depois penso para que serve essa auto consciência, para que serve essa intuição, portadora de maus augúrios, para que serve sentir as coisas até aos ossos se isso não me traz nem felicidade nem liberdade. A densidade da minha alma devia servir para alguma coisa para além da expressão de lamentos e interrogações.

Dizem que vai nevar. Lembro-me da última vez que vi neve, há pelo menos vinte anos. Era eu uma catraia a caminho de escola. Lembro-me das botas que usava nos dias de chuva, do rosto da minha professora, do calor da minha mãe, do meu cabelo loiro a embalar o meu rosto de menina. Lembro-me do caminho que percorria até chegar a casa e pergunto-me se esse caminho ainda existe, se eu algum dia voltarei a casa, se eu voltarei a beber água da fontinha, se regressarei a Viana por altura das festas, se voltarei a ver o fogo da ponte? É engraçado perceber como o passado de repente se transforma numa personagem, como o nosso património de repente ganha asas e agitação.

Um café português....

Sinto falta de comprar o Público e sinto falta da falta que o café me faz. Sinto falta de acordar cedo e tomar o pequeno almoço no café da esquina, das minhas torradas e meia de leite.

quarta-feira, outubro 26

O infinito

E.E.Cummings

SOMEWHERE I HAVE NEVER TRAVELLED

Somewhere I have never travelled, gladly beyond
Any experience, your eyes have their silence:

In your most frail gesture are things which enclose me,

Or which I cannot touch because they are too near


Your slightest look easily will unclose me

Though I have closed myself as fingers,

You open always petal by petal myself as Spring opens

(Touching skilfully, mysteriously) her first rose


Or if your wish be to close me, I and

My life will shut very beautifully, suddenly,

As when the heart of this flower imagines

The snow carefully everywhere descending;


Nothing we are to perceive in this world equals

The power of your intense fragility: whose texture

Compels me with the colour of its countries,

Rendering death and forever with each breathing


(I do not know what it is about you that closes

and opens; only something in me understands

the voice of your eyes is deeper than all roses)

Nobody, not even the rain, has such small hands

Yes, please...

Acordo todos os dias às oito. O Sol irrompe logo pela manhã, com uma desenvoltura e teimosia que me supreende. As paisagens que no primeiro dia eram estranhas e castiças vão-se tornando corriqueiras e perdem a beleza do primeiro olhar. A língua, essa estranha, reduz-se a esse love que não sei reproduzir: uma forma de cumprimento, tão longe da menina do meu país. «Cheers Love» é uma expressão que ouço com frequência neste país de miss e madames.

No Avião....

«O livro da vida é longo e aborrecido». Sinto a aproximação das lágrimas e sei que ao mínimo som íntimo vou começar a chorar. Deixei o meu mundo num único movimento, brusco e repentino. Deixei os sons da minha língua, o sol e as cores do meu país para abraçar a palidez deste espaço imenso e desconhecido. Deixei a poesia musical dos poemas do Eugénio por uma cidade cujos mistérios ainda não conheço.

Sempre vivi de um ponto de vista afectivo em pequenos não-lugares, como se os espaços por onde eu passei nada mais fossem do que portos de abrigo passageiros. A língua era a ponte que os unia, aquilo que dentro deles era comum. Sinto a minha nacionalidade como um anátama. Tento convencer-me que já não sou uma menina de dezassete anos, mas uma spinster de vinte e cinco. Mas a imensidão do desconhecido, o manancial de coisas que ainda não sei assusta-me para lá de todas as medidas. Procuro respirar profundamente e dar um passo de cada vez, procuro estar em silêncio até que a vontade de falar irrompa dentro de mim.

O rosto da despedida vai-me perseguir durante muito tempo e o desejo de dormir eternamente é quase palpável, tal é o desamor que sinto.

Depois das Férias....

Encontro a janela do comboio mutilada por uma parede, resultado dos exigentes confortos modernos que transformam uma simples viagem de comboio em qualquer coisa de claustrofobico. Gosto de espaços abertos e da ilusão de tempo infinito, mas aqui sinto-me fechada, estranha.

As minhas férias terminaram e o tempo de sol e mar, de almoços com os pés cheios de areia e o corpo cheio de sal vai dar lugar aos espaços conhecidos do quotidiano, à previsibilidade das emoções, à rotina diária. Deixei o D na plataforma da estação; deixei-o tão repentinamente que nem me ocorreu pensar que provavelmente só o voltarei a ver daqui a muito tempo.

A forma como nos relacionamos com os outros continua a ser um mistério para mim. Assimilamos pareceres sobre eles e sustentamos as nossas relações com base neles. Mas na realidade nunca chegamos a conhecer ninguém, pois não? No processo esquecemos que somos volúveis, que mudamos, que consoante o tempo passa vamos alcançando um maior respeito por nós mesmos e uma maior autonomia. O D está igual e diferente ao mesmo tempo e sinceramente não consigo ultrapassar a sensação de que sou apenas mais um nome na agenda telefónica dele, nem sempre necessário e por vezes esquecido. Um nome que permanece lá, por capricho ou teimosia.

Acabei de passar por Coimbra e viajo ao som da música e do vaivém dos outros. Estou longe de ter aquela aura de mulher sofisticada ou de jovem hippie que viaja sozinha, sem muitos recursos, apenas com a bagagem cultural que possui. Sou alguém perdida entre dois mundos, com os meus chinelos de dedo e o meu cabelo solto. De qualquer das formas, após uma semana a tormar banhos em comunidade, a dormir numa tenda indiscreta, a acordar todos os dias com os primeiros raios de sol e com a respiração de um outro rente ao ouvido, sinto-me tudo menos sofisticada. Sinto-me cansada e com fome, com vontade de me estender na cama e romanticamente adormecer.

To Rachel [antes das férias]

Tenho de fazer uma data de coisas, mas não me apetece fazer nada, não me apetecer mexer um único músculo, como se toda a minha vida assentasse num frágil baralho de cartas que eu ergui entre mentiras piedosas e fantasias. Fantasio com uma vida melhor, sabendo que isso implica um renascimento, fantasio com um rapaz de olhos cinzentos e cabelo preto, levemente ondulado, fantasio com um corpo sereno e esguio, capaz de mexer com a imaginação de alguém, fantasio com uma mente sagaz, capaz de discutir sem se atrapalhar, fantasio com uma alma despida de temores, fantasio com uma vida assente na coragem e numa generosidade que não possuo. Ás vezes dou por mim tão imersa em mim mesma que o próprio acto de falar banalidades me é doloroso. E sinto-me tão sozinha, tão atrapalhadamente sozinha, incapaz de agir num mundo que não conheço, incapaz de viver uma idade que sinto que não possuo. Como se eu fosse uma peça de roupa estendida num corda de secar, presa por umas molas. Como se toda a minha existência se reduzisse a uma maré infinita de contradições: sou aquilo que não sou, quero aquilo que não quero. «Amor é um fogo que arde sem se ver»... Imagino-me sentada num comboio, olhando a janela, imagino uma aura de solicitude e de gratificação à minha volta, imagino-me mergulhada nos meus pensamentos, enquanto o comboio percorre quilómetros de paisagem. Imagino-me assim, como uma aventureira sossegada, que gosta de beber café preto e ler o jornal, que prefere o comboio ao carro, que gosta de pequenas cidades e pequenos segredos, que gosta de fotografias a preto e branco. Penso nessa pessoa que é uma mulher, imagino que é uma pessoa que sabe falar de coisas interessantes sem gaguejar, que sabe sorrir com delicadeza, que sabe dizer sim e não com desenvoltura. Eu quero ser essa pessoa, serena e confiante.

Imagino que algures em mim ainda sobrevive alguma coisa de especial, um pequeno pedaço de céu, à espera que alguém o devolva à luz do dia. Queria acreditar que a vulnerabilidade que sinto viva vai encontrar eco no coração de alguém.

Descubro que essa rudeza quase corporal que detecto nos meus gestos, essa agressividade que surge dentro de mim quando os momentos se tornam sentimentais de mais, me faz perder essa espécie de delicadeza feminina, como se eu fosse um pedaço de pedra, incapaz de exprimir afectos. Nisso saio à minha mãe, para quem uma prova de amor é uma pancada no ombro e um gracejo. Gostava de ser um modelo de virtudes e graça femininas, uma petit coquete que sabe fazer bencinho.

Sinto a tua falta, Raquel. Sinto falta daqueles dias em que passaste em Lisboa, na minha casa e acordavas cedo, sinto falta daquele apartamento que nunca foi meu, sinto falta de falar com alguém interessante, sinto falta dos meus vinte anos.

domingo, julho 17

«How was he responsible for this lost Val?»

Não quero escrever um romance de pacotilha. Não quero escrever um romance em que a protagonista, feminista inveterada, diz muitas asneiras, bebe muito, tem muitas crises e é muito moderna. Quero o meu nome entre os grandes. É certo que não sei se algum dia serei capaz de escrever um livro. Queria ser capaz de levar as coisas até ao fim, de viver com base nas minhas decisões, com base nas minhas tomadas de decisão, mas caminho sempre ao mesmo ritmo. Envolvo-me em qualquer coisa, desde que não me obrigue a catalogar sentimentos, medos, frustrações, ambições, ambiguidades, tristezas, arrependimentos. Dou comigo imersa num profundo, tangível vazio, circunscrita a quatro paredes, sem qualquer emoção positiva que ate os nós soltos das minhas histórias. Farto-me de dizer que queria que a escrita me perseguisse, mas a verdade é que ela persegue-me. Sou eu quem não lhe dá ouvidos, esse ‘não’ é só meu, essa negação é só minha e nesses momentos em que troco a introspecção pela descontracção, volto a ser aquela miúda que detestava os saltos em altura. E apercebo-me que ‘o salto em altura’ é uma metáfora para todas as coisas que não contemplei porque receava a vitória, porque temia que aquilo que eu queria que acontecesse chegasse mesmo a acontecer. Por que o mundo era mais seguro quando as coisas respeitavam o espaço que eu lhes reservava. Quis que o mundo fosse algo de sólido, mas nunca tive a coragem de perseguir aquilo que de inesperado acontecia, de exigir a clareza necessária para consubstanciar uma forma integra de viver e estar no mundo. Queixo-me constantemente de que vivo entre dois universos, mas a verdade é que nunca persegui as respostas que me podiam ajudar a clarificar em qual das margens gostaria de ficar. Fujo das certezas porque a dúvida é a matéria que dá forma aos meus delírios. Não é a incapacidade, mas a escolha que condiciona as minhas decisões.
A memória são fios soltos de entendimento, de percepção, são imagens difusas de momentos que passaram. Olho para o meu passado e sei que houve momentos nos quais eu senti-me inteira, parte de qualquer coisa. E é essa certeza, que é sobretudo intelectual, que me dá alento, que me permite acreditar que mais cedo ou mais tarde eu vou sentir que faço parte de qualquer coisa, que de certa forma marco alguma diferença.

Fui tão jovem, tão arrogantemente jovem, tão fastidiosamente estúpida nas minhas tentativas de querer ser alguém que não sou, de gostar de algo que não gosto. Perdemos a vergonha porque de repente nos apercebemos que conquistamos o direito de fazer determinada coisa e já não nos interessa o que os outros possam pensar. Nesse momento podemos abarcar a nossa marginalidade e abanar os ombros ao olhar presunçoso dos outros.

segunda-feira, junho 20

Oh Susan...

Oh, susan, you were clued in
You knew just how this thing would go
A prognosis that was hopeless
From the very first domino
I guess I see it all in hindsight
I tried to keep perspective despite
The flash of the fuse, the smell of cordite

Now I’m in that place again
And I know he can’t come in to get me
And someday he will live to regret me
Susan, I can see it now

Oh, suzie--they get to me
They can really be wearying
But he threw me rope and buoy
Let me use his decoder ring
There must have been some kind of parade
We kissed for a while to see how it played
And pulled the pin on another grenade

Now I’m in that place again
And I know he can’t come in to get me
And someday he will live to regret me
Suzie, I can see it now

Oh, susan, the hope of fusion
Is that the halo will reappear
It may be pure illusion
But it’s beautiful while it’s here
I had some trouble with the goodbye
I checked my roman candle supply
And watched the vapor trail in the sky

But I’m in that place again
And I know he can’t come in to get me
And someday he will live to regret me
Susan, I can see it now

Aimee Mann

Bachelor Nº2


Aimee Mann

segunda-feira, junho 13

Impetuoso, o teu corpo...

(...) é como um rio
onde o meu se perde.
Se escuto, só ouço o teu rumor.
De mim nem o sinal mais breve.

Imagem dos gestos que tracei,
irrompe puro e completo.
Por isso, rio foi o nome que lhe dei.
E nele o céu fica mais perto.

Eugénio

O Eugénio morreu...

Mischief

Afastei-me do mundo que me ‘deu à luz’, em cujo caudal passei a minha infância. Renunciei a ele, a esse universo de fé e de alma, porque a compreensão total das coisas sempre foi outra das minhas obsessões. Troquei esse universo de calor e crença pela frieza de uma ciência que me diz que nós somos resultado de estratégias e delírios identitários. Troquei a literatura pela antropologia mais pós-moderna que consegui encontrar. Enterrei-me nesse niilismo total, na esperança que ele simplificasse a minha vida. Deixei-me seduzir por isso; coloquei num armário, que aprendi a não visitar, a magia de uma crença num mundo para além deste mundo. E depois encontrei um livro e o meu mundo caiu outra vez.

Dream a Little Dream of Me...

Uma das minhas obsessões prende-se com a impossibilidade de anular a distância que vai de mim ao outro, com a incapacidade de aceder ao interior de outrém. Nesta vida sou apenas uma personagem para quem o «grande quadro» se encontra vedado. Só posso responder por mim e nessa solidão humana, atómica me fundo e renasço. Há um verso do António Ramos Rosa que gosto particularmente: «A sabedoria não está em encontrar um tesouro/nem em ocutá-lo mas em saber que não existe nenhum tesouro/e proceder como se ele existisse.» A vida exige de nós um acto de fé, uma prova de confiança. Só sabemos que temos asas quando necessitamos delas para voar. Necessito regressar a casa, deixar de aspirar a uma normalidade na qual não pertenço e abraçar o meu universo uterino que marca a minha escrita e as minhas obsessões. Necessito regressar a uma linguagem que transcenda as palavras.
Gostaria de poder falar ou escrever sem os constrangimentos habituais do medo, ou do socialmente esperado. Gostaria de não viver entre dois mundos, nas margens de uma crença que não consigo aceitar por completo. Infelizmente a minha marginalidade não é total, mas a normalidade a que por vezes aspiro é redutora. Digo constantemente a mim mesma que ando a ver muitos filmes, ou a ler muitos livros e por isso tenho a tendência de viver a minha vida como se vivesse num imaginário cujos contornos e limites não consigo definir por completo. Nunca sei quando estou a delirar excessivamente.

16-02-99

Sou um comboio, avó, sou um pleno comboio, um comboio que prolonga as linhas da tua voz, os invisíveis sons do teu pranto. Amo as linhas do teu corpo, o sorriso que entreabre o teu denso rosto, a trovoada, o esgar de dor com a mesma dedicação. Quero alcançar um mundo que cheire a lençóis acabados de lavar, que tenha o sabor e a textura dos teus cozinhados. Porque só a esse ritmo, só com esse amor nos lábios as coisas ganham sentido. Trago na boca o leitoso sabor do teu seio, enrugado, o cheiro de um membro velho, num corpo gasto, testemunha de anos bem-vindos na cozinha, na tua tão aromática cozinha. Avó, a minha avó do xaile castanho, roto caindo sobre os ombros, a avó do «foi melhor assim» se ao menos soubesses, se ao menos me escutasses quando te falo de dentro das paredes, quando, no meio de lençóis brancos, acabados de estender te grito o meu nome, com loucura, o meu nome, como se se tratasse de um carro que desvairado percorre a estrada, as veias íngremes do teu corpo. Se ao menos soubesses o que me vai no pensamento quando em dias de chuva estendo o meu olhar à noite, quando a tristeza entra mim de rompante, desvairada enche os meus olhos de suplica. Preciso dela para me sentir terna. Não consigo ser infiel à minha alma ou às batidas do meu coração.
Sou um comboio, é certo, desde o tempo em que levava a marmita do avô à estação e ia pelo campinho, carregadinho de uvas; sou um comboio desde o tempo em que apanhava os bilhetes velhos e usados e assim brincava a viajar por entre mundos.
Penso que o meu amor pela mochila às costas, sentido como uma espécie de fidelidade romântica, terá nascido aí, enegrecido pelo cheiro do carvão, pelo peso do comboio sobre os carris, pelo boné na tua cabeça e o apito na tua boca, exasperado pela imagem de um circuito, pela imagem de uma hipotética colisão. Avô, o meu amor pela aventura suave, pelas paisagens que promovem a solidão, pelo silêncio da distância, pelo silêncio em todas as suas formas terá começado aí, no teu colo, nas linhas de uma locomotiva que voava sem eu saber. Porque os livros foram sempre importantes, por as linhas das frases e dos corpos sucumbiram cedo de mais em mim, tenho pelo mundo uma apetência simples e silenciosa. Não procuro grandes revelações, só respostas para algumas perguntas, só o alcance de um amor prazenteiro, lento e escorrido.


domingo, maio 29

Not an Ordinary Girl

Sim, escrever é um dom que exige disciplina. É o resultado de um desejo de perseguição árdua e dolorosa, de um desejo de existir para além dos limites da nossa biografia. Exige de nós a coragem de uma definição exacta, exige o assumir de um desejo de identidade, que se reflecte na frase: «eu sou escritora». Eu uso as palavras e o ambíguo dom que deus me deu para colmatar o tédio ou para embelezar uma carta, mas raramente o uso enquanto instrumento de navegação, enquanto portal de passagem para o lado mais íntimo de mim mesma. De tudo aquilo que escrevi ao longo dos anos sobra talvez uma única frase e a certeza de que não somos nós que encontramos as palavras; nós somos apenas um canal para elas se manifestarem.

O caminho é longo e árduo. A escrita, essa personagem feminina, que, em mim é herança da minha avô, deveria perseguir-me, exigir de mim toda a atenção. Ao invés revela-se tolerante de mais e muitas das vezes é apenas um meio de alimentar a minha auto-estima.

In the Meantime...

Tento preencher essa folha, expressivamente branca, que tenho à minha frente. Concentro a minha atenção na promessa de liberdade que ela traz consigo. Mas dos meus dedos só saem banalidades: frases, que embora sendo verdadeiras e transpirem sentimentos honestos não dizem todavia nada de extraordinário. Tento encontrar palavras que digam alguma coisa de sublime, mas o lado extraordinário de mim mesma encontra-se vedado ao meu escrutínio. Esbarro numa inércia que não me larga e durmo, respiro e caminho na ambição de conseguir construir uma frase, que traga no seu código genético a força necessária ao derrube dos muros que teimosamente construo à minha volta. Sou a juíza mais impiedosa da minha vida e, no entanto, consigo ser tão condescendente com a minha preguiça. Com um bisturi disseco as minhas escolhas, as minhas ambições, o meu amanhã. Vou dissecando cruamente até chegar ao âmago de qualquer coisa: um desejo de plenitude e felicidade. As pequenas coisas são pequenas de mais. A felicidade é um delírio em cujas asas não caminha a resposta que quero. Mas as respostas estão para além da minha vontade ou do meu querer. Alguém carrega com elas. E eu sinto apenas que tenho em volta do coração pedaços de vidro enterrados, poeiras espessas que não consigo eliminar.

segunda-feira, maio 9

Books

Sempre gostei de bibliotecas, do cheiro dos livros usados, daqueles livros repletos de impressões digitais, dos livros que viajam e que cruzam famílias, humores, texturas. Por isso não resisto, de vez em quando, a comprar um livro na secção usados da Amazon, pelo prazer que me dá receber em casa um embrulho que atravessou o oceano.
Queria perguntar-te tanta coisa, R. Despejar para cima de ti este manancial de dúvidas, remorsos e culpa que preenche os meus dias. Queria repousar com a certeza de que tu vigiarias a minha temporária rendição. Queria voltar ao banco de jardim da faculdade...

Sérgio


O Sérgio vai fazer seis anos este mês. Ainda me lembro do dia em que telefonei à minha mãe e ela contou-me que a minha tia estava grávida e este miúdo vinha a caminho. E eu cedi o espaço que durante anos ocupei na vida dela. Adoro os olhos do meu menino, a traquinice dele, o meu nome sempre que ele me chama...

God, bless me...

Penso por um momento naquilo que gostaria de escrever.
All the white horses are still in bed...
Talvez o melhor ainda esteja por vir...
Hoje uma estranha pediu a deus para me abençoar... E dois lados de mim responderam a esse pedido, a essa forma de despedida.
Sinto que sou uma manta de retalhos, falta-me uma espécie de nucleo identitário central...

terça-feira, maio 3

[A Mediatização da Cultura]

A Antropologia ensinou-me a pensar microscopicamente, a deixar nas mãos de outras ciências as grandes teorias sobre o funcionamento da sociedade. Daí que temas tão abrangentes como este facilmente se convertem numa dor de cabeça, desafiando a minha paciência e destreza de raciocínio. Não consigo reduzir isto a uma problemática que faça sentido e que sirva, a um nível mais pessoal, para exercitar a minha mente e me tirar da apatia em que ultimamente vivo.
Existem conceitos e temáticas paralelas a este tema; temáticas essas que manuseio com confiança, mas parece-me um disparate apresentar um trabalho de 15 páginas, no qual discurso sobre coisas que não interessam a ninguém. :)

Antonio Variações

Eu só estou bem aonde não estou, porque só quero ir aonde não vou

segunda-feira, maio 2

Lost

Sim, estou perdida, completamente perdida. Pela primeira vez na minha vida tenho que tomar decisões e firmar terrenos e não sei o que fazer, que caminho seguir. De tal forma que sinto que me afundo em mim mesma. Não sei o que quero ouvir, só queria que uma janela se abrisse. Por isso sinto-me patética, uma pateta que tem idade suficiente para ir à luta, para tomar decisões. Mas no meio das vozes que me cercam, não consigo ouvir a minha. E sei que o meu tempo está a terminar, que o aconchego dos lugares que conheço se está a tornar sufocante, que tenho que aprender a caminhar sozinha.

domingo, abril 24


Beautiful

O outro, sempre o outro

Reparo que a distância cria as condições necessárias para nos deixarmos embalar pelo delírio, pela imaginação. Travamos relações com personagens que vamos criando. Não existindo o corpo do outro e a linguagem desse mesmo corpo, torna-se muito mais fácil atribuir sentimentos e ausências que de outra forma não existiam. Sem o termos no nosso quotidiano, o outro vai-se ausentando, vai adquirindo uma tonalidade cinzenta. A expressão de sentimentos torna-se mais fácil, porque de certa forma é como se estivéssemos a falar com uma parte de nós mesmos, com uma parte íntima de nós mesmos. Creio que entre mim e ele aconteceu isso. A ausência abriu espaço para a recriação operar e agora custa relembrar quem fomos nas mensagens que trocámos, no espaço de distância que ficou entre nós.

Glimpse

Vou caindo, à espera do momento da colisão com o chão. Sei que as mudanças estruturais da nossa vida dependem apenas de nós e de alguns pozinhos de boa sorte. Mas parece que, por muito que tente não consigo respirar fundo, abrir completamente o peito a essa entrada de ar fresco. Vejo o mundo através de uns óculos desfocados e cinzentos. Sem amor ou paixão vou caminhando, oscilando humores com tristeza, pessimismo com optimismo, bonança com pena.

terça-feira, março 29

Wuthering Heights [...]

Dizem que aqui o Sol nasce ao meio da manhã. Surge timidamente e demora-se pouco. Existe uma neblina constante, aqui no Pais de Gales, presa ao corpo, humida e de certa forma reconfortante. Como se ao final de tanto tempo perseguindo uma imagem real, que desse cor ao meu imaginario, finalmente a alcancasse. Agora consigo cheirar a humidade da terra, caminhar sobre prados verdes, que ocupam o nosso horizonte. Se fosse ousada, não renunciaria ao chá das cinco. Que mais posso dizer para além das meditacões literárias que viajar me inspira? Talvez dizer o obvio: viajar é uma imensa, tresloucada experiência antropologica. Aqui eu sou o outro, deslocado, num corpo que não se adapta à cor desta vila, à lingua que sai torpe dos meus labios. Um delirio.

domingo, março 13

Cotton Walls

Hoje vejo a escrita como um meio de alcançar a absolvição, a remissão dos pecados, como um desabafo, no mais tradicional, clérigo sentido do termo. Como se paralelamente ao incenso que queimo no parapeito do meu quarto, pudesse através dela expugnar os meus medos, ou pelo menos registá-los, atribuir-lhes contornos, textura, cor.
Hoje vou percorrer um longo caminho até chegar a casa. Mais tarde, deitar-me-ei na cama e olhando para o tecto vou pensar que a segurança dos espaços conhecidos é também algo precário. Vou recordar o rosto dela, enrugado e feio, mas macio e quente. E pensarei se é verdade que posso mudar o curso da minha vida através das palavras, se é verdade que elas trazem consigo a cura, se a memória também pode ser doce.
Sinto que construí este terrível muro à minha volta e procuro a palavra certa, a fórmula, a oração exacta para converter em algodão a pedra que lhe dá forma. Mas mesmo que hoje encontre esse ‘abre-te sésamo’, sei que o não conseguirei reproduzir no futuro, sei que atingirá o meu entendimento por escassos segundos para logo depois se dissolver nas brumas.
Vivi sempre no limiar das coisas, indisciplinadamente e ainda assim não posso prometer que, mesmo depois deste testemunho de incompetência, irei mudar; que renunciarei ao meu mau feitio, que o trocarei por uma personalidade pomposa e oca. Porque o medo é uma personagem constante, mais forte que qualquer resolução que promova a sua negação sei que futuramente cometerei os mesmos erros, baterei nas mesmas teclas, esperando o regresso a casa do filho prodígio. Esperando que alguma coisa faça sentido e que a absolvição chegue, como uma espécie de banho quente, fumegante e relaxador...

domingo, março 6

Song

"Everybody's Changing" - Keane

quinta-feira, fevereiro 10

[...]

What can I possible ask a witch?
I am bewitched by the possibility of knowing things about me... and my future. Can it all be true? Or am I deceiving myself? What should I ask?
The future is uncertain...

quinta-feira, fevereiro 3

Ying @ Yang

Pergunto-me como é que podemos conciliar a necessidade de expressar a angústia e a frustração que o mundo nos inspira com a inutilidade dessa mesma expressão?
Como é que podemos conciliar a percepção da sua existência e do seu peso com a certeza de que a sua expressão em monólogos violentos e linguisticamente brutais representa uma actividade desgastante e inócua?
Tal duplicidade conduz a um dilema. Por um lado, sinto que se não expressar essa inquietude em gestos 'violentos', me estou a render ao inevitável, me transformo num ser pequeno, acomodado, sinto que o meu idealismo juvenil vai dando lugar ao cinismo das idades maduras. Mas, por outro lado, sei que a expressão dessa frustração, que tantas vezes emerge de coisas que sentimos como injustas, é desgastante, faz-me mal, inscreve a angústia no corpo e no humor.
Nesses momentos, em que o peso do mundo se torna insustentável e a frustração se começa a fazer sentir, como um formigueiro, penso nas técnicas terapêuticas da meditação, do relaxamento, nos movimentos rítmicos da respiração. Sei que ceder à angústia do momento não conduz a nada, mas a não cedência faz-me sentir desapaixonada, como se o meu sangue não fosse quente o suficiente para me deixar irritar. Se a vida é paixão, não podemos responder a ela com a brancura do equilíbrio, com a serenidade do ying e do yang, pois não? Se a vida é feita de cores fortes, de vermelhos e azuis, não podemos responder a ela respirando suavemente, pois não?



The Optimism of Uncertainty

«In this awful world where the efforts of caring people often pale in comparison to what is done by those who have power, how do I manage to stay involved and seemingly happy?
I am totally confident not that the world will get better, but that we should not give up the game before all the cards have been played.
The metaphor is deliberate; life is a gamble. Not to play is to foreclose any chance of winning. To play, to act, is to create at least a possibility of changing the world.
There is a tendency to think that what we see in the present moment will continue. We forget how often we have been astonished by the sudden crumbling of institutions, by extraordinary changes in people's thoughts, by unexpected eruptions of rebellion against tyrannies, by the quick collapse of systems of power that seemed invincible»

By Howard Zinn

É este tipo de postura optimista que nunca consegui que crescesse em mim enfaticamente. Infelizmente, aos meus olhos o mundo sempre me pareceu denso de mais e a vida sempre sugiu complicada, cheia de nós.
O optimismo deste senhor lembra-me o teu optimismo, que tantas vezes considerei inoporturno, porque dentro dessa bolha de calor que eras tu, nunca me consegui afundar por completo nos meus delírios pessimistas, mesmo quando queria.

domingo, janeiro 30

Somethings never changed

Chego à conclusão que a escrita é a expressão de um conjunto de hipóteses, é a expressão no papel de um conjunto de experiências literárias. Não importa que ela fale de sentimentos, ou de encontros ou angústias, a escrita é apenas uma forma de trabalhar materiais existenciais, de tentar coisas, de testar a minha tranquilidade. É uma forma de desocultar as fontes. É sobretudo isso, não apenas isso, mas essencialmente um meio de revelação, de revelação de um rosto.
Ouvi deus dizer que eu não era aquela que lavava o rosto na água do rio, eu era o próprio rio, cujas águas corriam ao ritmo do solo, das concavidades, do vento. «Não te preocupes» dizia ele. «O rio encontra sempre a maré.» Não quero a minha água estagnada, é tudo o que posso dizer. Quero que ela corra, limpa, serena, se dilua na terra, nas pedras, como uma força energética. O meu relaxamento funda-se assim, nessa espécie de dialogo que travo. Sinto o meu rosto feito água, sinto a água que corre, sobe e desce, se encontra e se funde. Onde estás que não te ouço, onde habita esse rumor que é a tua voz? Hoje sinto que sou feita de matéria, qualquer coisa sedosa e extremamente frágil. Dói-me o corpo de tanto pensar.

A poesia do Eugénio

Nos dias em que não há redenção ou conforto possível surge na minha mente a expressão encostar o meu rosto à poesia do Eugénio. A uma poesia, que sabe a água e a sal, que arrefece e aquece ao ritmo das marés, tenho urgência em dizer que a minha paz sucumbe de vez em quando, sobe e desce, esmorece e desperta, dá ao meu rosto uma cor rosada e ao meu corpo um arrepio de frio. A uma poesia que procura na carne e na matéria um alimento ou um regresso a um espaço materno tenho ânsia em dizer que a minha alma precisa de um conforto assim. Nesses momentos sinto-me regressar ao banco do jardim ou ao parapeito da janela. Encosto, então, a minha tranquilidade sob os joelhos e ainda que não saiba das palavras exactas do Eugénio sei do ritmo que as envolve, sei dessa procura pela exactidão, sei do cheiro e do odor, sei do movimento desses versos, sei desse corpo que se estende, desse corpo que quero azul, sei desse país onde teu corpo principia. Vou recitando extractos de alguns versos que recordo. Que mais posso eu dizer? Que mais posso eu pensar para além do universo comum de incertezas em que me movo, esperando que um milagre aconteça, rente à carne e ao sangue, rente a todo o amor que as minhas palavras são capazes de exprimir? Que faço eu aqui (stupid question, I kown), porque é que não atinjo aquele bem-estar especial, completo, porque é que não encontro, pelos caminhos em que me movo a beleza da revelação, aquela percepção do sentido das coisas?

Boys & Girls



Como gostaria de ser um puto de seis anos, com um amigo imaginário, uns pais neuróticos, capaz de fazer as caretas mais incríveis, e ter os pensamentos mais bizarros. Trocaria os meus problemas existenciais pelas questões filosóficas e morais que atormentam o Calvin. Seria bom ter o Hobbs como amigo, para pedir conselhos e para despejar a opressão que tantas e tantas vezes sinto presa ao peito, como uma força, um desabafo em suspenso, violento e doloroso, como se se tratasse de um ruminar lento que não cessa. Apanho pedaços de entusiasmo pelo caminho, pedaços pequenos e transparentes, não densos, não persistentes; o meu tédio é mais teimoso que a energia que me habita.
Com tudo isto vem a culpa e o ressentimento, vem aquilo que não sobrevive à minha auto-estima, vem a sensação de que tenho algo para fazer e que o alcance de um respirar suave e tranquilo passa pela concretização dessa tarefa. Nem vale a pena pensar em encostar o meu rosto a um poema, porque as implicações morais da minha inércia ultrapassam o lado romanesco e mágico que quero rente à minha vida.

quarta-feira, janeiro 26

Something to think

In this awful world where the efforts of caring people often pale in comparison to what is done by those who have power, how do I manage to stay involved and seemingly happy?
I am totally confident not that the world will get better, but that we should not give up the game before all the cards have been played. The metaphor is deliberate; life is a gamble. Not to play is to foreclose anychance of winning. To play, to act, is to create at least a possibility of changing the world. There is a tendency to think that what we see in the present moment will continue. We forget how often we have been astonished by the sudden crumbling of institutions, by extraordinary changes in people's thoughts, by unexpected eruptions of rebellion against tyrannies, by the quick collapse of systems of power that seemed invincible.

The Optimism of Uncertainty,
by Howard Zinn,
September 30, 2004

Às vezes o mundo parece um grande buraco negro, incapaz até mesmo de se regenerar. Às vezes precisamos que alguém nos lembre que as coisas mudam. Este senhor, hoje de manhã, no Daily Show, lembrou-me algo que já me tinha esquecido, uma paixão pelo pensamento crítico que estava em mim adormecida.
Aqui fica o site dele para futuras leituras: http://www.thirdworldtraveler.com/Zinn/HZinn_page.html

Isn't he Sweet?

«Loira,
Numa época em que todos parecem ter o privilégio de poder oferecer contas de Gmail como se se tratasse de algo exclusivo e elitista, eis que TU também poderás fazê-lo, dado que em breve também farás parte deste clube exclusivo!! Enjoy!
With my regards,
O teu D.»

(de um mail do D.)

Still Here

Hoje a Célia deu-me boleia até casa. Para além do conforto de não ter que andar de autocarro num dia frio como este, foi sobretudo a kindness dela que me transportou.
Agora são sete e tal e aguardo que o messenger dê sinal de vida.
A escrita quotidiana nunca é fácil, daí os meus prolongados silêncios. Quando chego a casa, há sempre tantos pormenores que raramente sobra tempo para articular pensamentos.
But I'm still here... listening to Sade...
And it's Daniela. My name that is...

domingo, janeiro 23

I feel like a twelve year old girl...



Excertos de uma troca de correspondência com a Sandra, durante a formação. O módulo chama-se qualquer coisa como Cooperação Empresarial e é dado pelo homem mais insípio, que já tive o desprazer de conhecer. Caricatura-lo tornou-se num gesto de sobrevivência. A Sandra é muito certinha, com os seus cabelos longos, encaracolados e as suas canetas de várias cores, mas até mesmo ela sucumbe ao tédio nestas aulas.

I said «How are you? You look bored.»
Sandra answer «After a heavy meal, I feel renewed. Today he (the teacher) has something especial»

A partir daqui foi só disparates.... :)

O Diário de Campo

Olá Daniela!

Aqui vão algumas passagens do diário de campo.
Achas que dava para publicar, ficar famosa e viver de rendimentos o resto da vida ? ;-)


19 de Março de 1999, sexta-feira
"Saímos de lá cansadas, com calor, chatas, rabugentas e implicantes"
(depois da visita à casa de idosos dos ferroviários no Entroncamento)


24 de Março de 1999, quarta-feira
"Encontro no bar da Faculdade, leitura de textos sobre a solidariedade, muita moleza, pouco empenhamento, nenhuma ideia brilhante. Apenas coisas soltas, vagas, mas sem nada a uni-las. Enfim, um dia quase perdido"


19 de Abril de 1999, segunda-feira
"Apanhámos o 28 e fomos até à Voz do Operário recolher bibliografia sobre greves e movimentos grevistas. Na biblioteca estava uma barulheira terrível pois estavam lá crianças na Internet"

8 de Maio de 1999, sábado
"Estivemos também um bocado na livraria onde a Daniela, delirantemente, descobriu um poeta anarquista de Viana do Castelo"
(...)
"Eu e a Daniela aproveitámos para procurar o livro do "Miguelito" mas todas as livrarias que vimos estavam fechadas. Estará esta história a ultrapassar os limites do racional?"

9 de Maio de 1999, domingo
"Dia de participação na Campanha do Banco Alimentar"
(...)
"Doem-me extremamente as pernas. As impressões ficam para depois"

(E-Mail enviado pela Raquel)

terça-feira, janeiro 18

Outros Destinos



Comprei através da Fnac este livro, em memória das minhas aulas de Antropologia das Sociedades Contemporâneas, dadas pela Prof. Mia. Uma cadeira que me deu uma outra versão da realidade. Não creio que a minha relação com a Antropologia seja uma relação mal resolvida, mas é complicado estabelecer um equilibrio entre aquilo que sei e a forma como quero estar na minha vida. É complicado explicar, mas hoje sinto uma falta imensa desse universo académico e só quero ter a possibilidade (e sim, D, eu sei que só depende de mim) de volta a estudar, de voltar a discutir o Homem, as suas políticas de idendidade, o outro e o nós, o fazer terreno, a escrita antropológica, todas essas matérias que me fascinam.
Ainda não comecei a ler o livro, mas pelo índice parece muito interessante. Tem vários artigos que discutem a relação entre a Antropologia e o Turismo.
O livro foi bastante caro, mas acho que valeu a pena. :)

segunda-feira, janeiro 17

News from Viana

«(...) Continuo com aos 18 anos a sonhar com 'other versions of reality'. Às vezes é mesmo um desejo escapista de outras paragens, às vezes é mesmo como uma canção de António Variações, o mero estado de alma de 'só estou bem onde não estou' (...)»

Miguel Vale de Almeida

Olá R.

Começo a minha carta com uma citação do Miguel. Ando a reler o último livro dele, numa tentaiva de trazer a Antropologia de volta à minha vida e alimentar, dessa forma, o projecto da minha cidadania. :)
O que considero particularmente fantástico no livro é a forma cristalina com que ele trabalha um conjunto de dúvidas, interrogações e desabafos que há anos faz parte das nossas vivências académicas. Desde a definição de Antropologia, ao papel que se espera de um docente nesta área, passando pelas motivações que levam jovens de 18 anos a enveredar por este curso, tudo se encontra lá, como se ele tivesse registado graficamente todos esses questionamentos e inquietações que caracterizavam as nossas conversas de café.
Por minha parte nunca concebi a Antropologia como mais uma licenciatura, cuja a única mais valia seria providenciar um canudo sem exigir muito trabalho, nem muita fidelidade. A Antropologia deu-me, pelo menos, acesso a essas outras versões da realidade. Se não me garantiu um acesso completo, pelo menos, mostrou-me a existência dessas 'other versions of reality'. Se, por um lado, me facultou os instrumentos para perceber como funciona o mundo que me rodeia, por outro lado, exigiu que usasse esses mesmos instrumentos e ferramentas para pensar a minha própria vida e os mecanismos inerentes à construção dos meus próprios delírios. É, por isso, que não tenho uma relação pacífica com as minhas memórias, com os espaços, com os outros, com a minha afectividade. E porquê? Porque descubro por detrás de tudo isso estratégias, mecanismos, dinâmicas ocultas. Eu sou também o outro e essa constatação leva-me a viver nas margens de dois universos, experimentando um equilíbrio precário entre as várias faces do meu self.

Intelectual?

«(...) velha noção de intelectual como aquele que pôe em causa as visões 'normal' e oficial do mundo.»
Miguel Vale de Almeida, Outros Destinos.

Quando me refiro à falta dessa 'urbanidade intelectual' refiro-me exactamente a esta noção de 'intelectual': à possibilidade e ao desejo de interrogação de um status quo que nós não definimos, mas que nos pertuba e revolta e para o qual tantas e tantas vezes não temos palavras esmagadoras.

domingo, janeiro 16


The Starting Point

A repetição de uma palavra

Há dias em que sinto falta absoluta de Lisboa. Não da cidade geograficamente localizada, mas daquilo que ela em mim representa: essa hipótese de «cosmopolitismo», ainda que numa cidade tão provinciana, a hipótese de uma vivência urbana, desprendida e solta. Não sei como explicar a sensação sem cair em lugares comuns. Sinto falta de uma espécie de «urbanidade intelectual», que sei que existe apenas ao nível do meu imaginário. Sinto falta dessa profusão de formas de estar, viver e falar. Sinto falta da minha casa, com vista sobre a Avenida Dº Carlos, do 49, dos electricos, dos cafés e dos quiosques e do azul da faculdade. Dessa imagem de irreverência e de «esquerdismo» que decorava os muros daquela instituição que me formou.

terça-feira, janeiro 11

News from a Strange Place

Mais uma vez te escrevo para colmatar o tédio da minha formação. Perguntas, concerteza, que novidades justificam o envio de mais um registo melancólico e nostálgico: eterna forma de pensar o meu mundo e o meu dia-a-dia.
Cara amiga, novidades só no Continente (resposta que a Paula costumava dar à mesma enfática pergunta!). Não notarás o tom prazenteiro da minha voz nesta carta, porque tais particularidades não sobrevivem ao registo escrito. Começo por te dizer que o Público agora custa 85 cêntimos, que a mulher/senhora que trabalha no café onde costumo tomar café (?) todas as manhãs é de uma antipatia atroz, que hoje vou fazer exame de código e que neste exacto momento sinto a minha energia evaporar-se, como se se tratasse de ar. Sucumbo nesta formação ao mais rude tédio, a um aborrecimento completamente inútil e inócuo. E sinto, sobretudo, o esmorecimento de uma inquietude intelectual que sempre formou o meu espírito. Sinto falta das aulas que punham o meu universo de pernas para o ar, que alteravam a percepção da realidade que nos envolvia. Sempre pensei que todo o conhecimento era válido, que poderia ser eventualmente aproveitado. No entanto, esta formação veio demonstrar que estava errada. Anseio apenas pela conclusão de tudo isto, para que depois possa fazer uma lavagem celebral e limpar a minha mente desta poeira.
A futilidade disto enerva-me, a intransigência de um tempo que teima em não passar irrita-me terrivelmente.
Hoje chove e não trouxe guarda-chuva... Ai ai

segunda-feira, janeiro 10

Questões de Antropologia

« (...) Anthropology appears determined to give up its old ideas of territorially fixed communities and stable, localized cultures and to apprehend an interconnected world in which people, objects; ideas are rapidly shifting and refuse to stay in place. » Akhil Gupta & James Ferguson

Quando já começava a pensar que ideias como estas já se estavam a tornar uma espécie de denominador comum de entendimento, acontece algo que me faz descer à terra. As pessoas continuam a conceber a cultura como uma coisa que existe, estática, presa a um espaço, pronta a ser apreendida. Como se se tratasse de um bolo já feito, e não de algo maleável, manipulável, capaz de se movimentar até mesmo quando nem sequer saimos do mesmo lugar.

domingo, janeiro 9

I save the world today

Já cheguei à conclusão que nunca faço aquilo que devo fazer e quando o faço raramente o faço na altura certa. Tal constatação resume a minha personalidade e se juntar a isso a inercia e a preguiça, descubro o meu rosto. A minha auto consciência dá-me pelo menos a liberdade de sublimar as minhas fraquezas e escrever sobre elas.
Acho que os meus 25 anos, ainda que pueris, me trouxeram a vantagem do «cansaço existencial», e com ele a hipótese de me rir de mim mesma. Sinto que já não tenho necessidade de agradar a ninguém, ou de ser simpática, ou atenciosa. Como se pudesse agora assumir a minha excentricidade e mandar os outros eloquentemente à merda.
Claro que o meu pessimismo é também circunstancial. É sobretudo circunstancial e nos dias em que a chuva cai, para logo em seguida dar lugar ao Sol, sinto-me quase em paz, como se uma espécie de bem-estar caisse sobre mim. Infelizmente esse caminho para o contentamento não se encontra ilustrado em nenhum mapa da vida, por isso resta-me esperar pelos momentos oportunos de felicidade e leveza.

The Eternal Sunshine of the Spotless Mind



Hoje à noite vou ver este filme e sonhar com o cabelo cor de laranja da Clementine...

Lazy every day...

Amanhã vou acordar assim...

sábado, janeiro 8


Women

quinta-feira, janeiro 6

Pensar em inglês

I seek a moment of sweet confort, to allow myself a minute of peace, to breath smoothly, to catch a glimpse of light. How can I transform the sorrow into something good?

Gifts

A Raquel ofereceu-me meias coloridas (lembranças dos tempos em que ia à loja das meias na Rua Augusta) e a Srª Luísa perdou-me a minha dívida no video clube. :)
São prendas como estas que fazem sentido.

quarta-feira, janeiro 5


All That

News From Home...

Olá R

Recebi hoje o teu e-mail apocalíptico e auto-destrutivo e gostava de ter palavras sábias e esperançosas para te oferecer mas não tenho. Sinto o mesmo fatalismo que descreves, a mesma paralisia em todas as dimensões da minha vida.
O Jorge Palma lançou um novo CD, Norte, mas o Jorge Palma já não é o mesmo: deixou de beber, trocou a boémia pelos ‘patinhos’. Vi-o na televisão com uma cara tão saudável que fiquei a pensar que as coisas realmente mudam e que com a idade até os mais marginais regressam a casa. Eu também sou marginal; eu que nem sequer fumo, que já não bebe, que vivo tristemente sem vícios. Mas a minha marginalidade de espírito vive colada à pele e raramente me larga. Gostava realmente de possuir o cosmopolitismo urbano do D e do M, mas não a verdade é que não possuo. Tenho uma personalidade sonâmbula e taciturna e o contentamento quotidiano raramente me atinge.
Sucumbo ao tédio na minha formação imposta. A faculdade está longe, mas quando me encontro naquela sala fria a ouvir matérias pelas quais tenho apenas repulsa, sinto falta das nossas aulas, da Antropologia, da visão do homem que nos transmitiam. As noções que aprendemos a manejar, que nos ensinaram a olhar o mundo com outros olhos, desconfiados e críticos, não tem lugar aqui. E assim vivo nesse silêncio, por falta de ter alguém, formado nas mesmas matérias, com quem possa discutir ideias.
Deixo todos os dias o computador ligado para “sacar coisas da net”, como diz o meu irmão. Inicialmente vivia na mais completa angústia que lhe acontecesse alguma coisa. Que faria eu sem ele, R? Sem o meu e-mail, os meus E-books, sem os meus documentos mais que pessoais? Sem o meu quarto, sem os papéis, as imagens e os postais que tenho colados na parede? Que faria se não conseguisse aceder aos blogs que leio diariamente? E se se fechassem as portas que me fazem sentir uma cidadã do mundo, o que faria?

Fica bem
D

Just Smile

terça-feira, janeiro 4

Sign Out?

«O Tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio; é um tigre que me despedaça, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo» JLB

Há dias em que nem mesmo a perspectiva de rendição nos salva.