terça-feira, maio 29

Calvin & Hobbes

E.E. Cummings

it may not always be so; and i say
that if your lips,which i have loved,should touch
another's,and your dear strong fingers clutch
his heart,as mine in time not far away;
if on another's face your sweet hair lay
in such a silence as i know,or such
great writhing words as,uttering overmuch,
stand helplessly before the spirit at bay;

if this should be,i say if this should be-
you of my heart,send me a little word;
that i may go unto him,and take his hands,
saying,Accept all happiness from me.
Then shall i turn my face,and hear one bird
sing terribly afar in the lost lands.

O antes e o depois

Quem me dera ter o coração vazio. Quem me dera que existisse um manual de sobrevivência, que me ajudasse a sobreviver a tudo isto. Quem me dera saber expressar em palavras o manancial de coisas que sinto. Quero ter forças para recuperar a pacatez dos meus dias, voltar a ter como ferramentas de descoberta do mundo as palavras, os textos, a capacidade de me rir de mim mesma. Se calhar estou mesmo a precisar de umas férias, mudar de cenário, respirar fundo. As minhas atitudes e a minha vontade espelham um conjunto de clichés. Infantilmente espero que as coisas mudem, voltem a ser aquilo que eram dantes. Com a teimosia que somente as crianças têm, exijo de deus uma resposta, uma saída, alguma espécie de tranquilidade. É esse silêncio infantil que eu não consigo combater que me fere. É esse corpo que trazia perto, que podia explorar a meu bel prazer que me faz falta. É a ausência dele em mim que me magoa, o desejo de o ter, um cheiro que já não é um corpo, toda essa intimidade quase conjungal que se esfuma. É a culpa, a procura de respostas, o vazio de um espaço outrora ocupado por um terceiro.

domingo, maio 20

Jerry

Olá Raquel

Hoje fui passear até Richmond, com apenas cinco libras no bolso. Pela primeira vez na vida senti a minha alma tão cheia que tive que recorrer à caminhada como forma de expiação. Por isso caminhei, sentei-me no banco com vista para o rio e fiquei assim, com o olhar perdido no horizonte, com essa angústia e solidão rentes à pele. Procurei com isso a exorcização dos meus medos, sair de dentro de mim e analisar ou perspectivar a minha vida com frieza. Tentei perceber de onde vêm estes pensamentos, quais são os princípios pelos quais devo viver, tentei saber aonde se encontra a linha da minha vida, da minha realidade e onde começam os delírios e a voz dos fantasmas de anos e anos de solidão. Acho, Raquel, que é esse medo, o medo de viver permanentemente sozinha, de nunca encontrar alguém que me entenda, que lute por mim, que me perseguia, que define os meus estados de alma. É o medo de nunca vir a ser amada, a incapacidade de encontrar o sentido para a minha vida e para a densidade emocional que me habita, que me atormenta e que define a forma como me relaciono com os outros.

Esta semana tem sido particularmente difícil e sinto-me tão desamparada, como se eu fosse a única pessoa com a qual eu posso contar e sinto a cabeça tão cheia de imagens catastróficas.

Fui caminhar, pela primeira vez na minha vida, passei a semana inteira a chorar e há dias que não durmo como deve ser. Preciso de um abraço e de algum conforto e não sei aonde os posso ir buscar. Como canta o Jorge Palma, ‘sinto-me frágil’, ou a Mafalda Veiga, ‘hoje o tempo dói’. Estou sozinha e tenho que me habituar à ideia de que não existe príncipe encantado nenhum, que ninguém me vai salvar e que não posso colocar na mão de estranhos o meu bem-estar, a minha felicidade. Agora percebo porque é que as pessoas bebem. Se bebesse, bebia para poder cessar toda esta actividade cerebral, por um momento de oblívio, de esquecimento.

Mandei na semana passada um postal para o Sérgio, com a imagem de um sapo, verde e risonho. Imagino a sua surpresa quando receber uma carta endereçada a ele. Um miúdo de sete anos a receber cartas.

Queria estar num lugar qualquer, ter os recursos para fazer as malas e viajar até a um sitio onde pudesse estar em sossego, estender-me sobre os sons da minha língua, fundir-me com o chão de uma livraria, percorrer as ruas de Lisboa ao som dos eléctricos. Estar entre amigos a discutir antropologia, o estado do mundo, politica internacional, direitos humanos, livros como se eu realmente fosse essa intelectual que aparento ser nesta dissertação. Mas tenho saudade dos cheiro e do silêncio das bibliotecas, da ansiedade antes e após os exames, das cantinas universitários. Sinto falta de ter esse estatuto definido, de saber o que escrever quando nos formulários te perguntam qual é a tua profissão, pois já não tenho o direito de dizer que sou estudante. Estou farta de não encontrar eco nos outros. Tantas e tantas vezes sinto que comunico apenas em monólogos, que falo sozinha mesma quando falo com os outros. E sempre que alguém me deixa mal, tenho essa vontade estúpida de puxar pelas orelhas do fulano ou da fulana e gritar que eu não mereço ser tratada assim.

Cada vez mais se torna difícil confiar em alguém, Raquel. Deixar os outros entrar, sem desconfiança, com o coração aberto, com a leveza infantil das crianças vai se tornando em algo quase impossível. Tenho pouca fé nesta humanidade, tenho pouca fé nas pessoas que me rodeiam e estou sempre à espera de ser decepcionada de uma forma ou de outra. Porque todos nós vivemos nas nossas pequenas ilhas, com os nossos fantasmas e medos, quando abrimos o coração à possibilidade de um relacionamento fazemo-lo sempre com a ‘pulga atrás da orelha’.

Disse-te há tempos que queria encontrar um livro de auto-ajuda que me fornecesse dicas, outra abordagem, menos literária e mais prática, para que a decisão de seguir um caminho em detrimento de um outro deixasse de ser minha e passasse a ser do estúpido livro. É um desejo infantil, eu sei, mas não deixa de ser tentador.

Não sei se te disse, mas tenho um rato cá em casa. Eu e o D baptizamo-lo de Jerry.