Não quero escrever um romance de pacotilha. Não quero escrever um romance em que a protagonista, feminista inveterada, diz muitas asneiras, bebe muito, tem muitas crises e é muito moderna. Quero o meu nome entre os grandes. É certo que não sei se algum dia serei capaz de escrever um livro. Queria ser capaz de levar as coisas até ao fim, de viver com base nas minhas decisões, com base nas minhas tomadas de decisão, mas caminho sempre ao mesmo ritmo. Envolvo-me em qualquer coisa, desde que não me obrigue a catalogar sentimentos, medos, frustrações, ambições, ambiguidades, tristezas, arrependimentos. Dou comigo imersa num profundo, tangível vazio, circunscrita a quatro paredes, sem qualquer emoção positiva que ate os nós soltos das minhas histórias. Farto-me de dizer que queria que a escrita me perseguisse, mas a verdade é que ela persegue-me. Sou eu quem não lhe dá ouvidos, esse ‘não’ é só meu, essa negação é só minha e nesses momentos em que troco a introspecção pela descontracção, volto a ser aquela miúda que detestava os saltos em altura. E apercebo-me que ‘o salto em altura’ é uma metáfora para todas as coisas que não contemplei porque receava a vitória, porque temia que aquilo que eu queria que acontecesse chegasse mesmo a acontecer. Por que o mundo era mais seguro quando as coisas respeitavam o espaço que eu lhes reservava. Quis que o mundo fosse algo de sólido, mas nunca tive a coragem de perseguir aquilo que de inesperado acontecia, de exigir a clareza necessária para consubstanciar uma forma integra de viver e estar no mundo. Queixo-me constantemente de que vivo entre dois universos, mas a verdade é que nunca persegui as respostas que me podiam ajudar a clarificar em qual das margens gostaria de ficar. Fujo das certezas porque a dúvida é a matéria que dá forma aos meus delírios. Não é a incapacidade, mas a escolha que condiciona as minhas decisões.
A memória são fios soltos de entendimento, de percepção, são imagens difusas de momentos que passaram. Olho para o meu passado e sei que houve momentos nos quais eu senti-me inteira, parte de qualquer coisa. E é essa certeza, que é sobretudo intelectual, que me dá alento, que me permite acreditar que mais cedo ou mais tarde eu vou sentir que faço parte de qualquer coisa, que de certa forma marco alguma diferença.
Fui tão jovem, tão arrogantemente jovem, tão fastidiosamente estúpida nas minhas tentativas de querer ser alguém que não sou, de gostar de algo que não gosto. Perdemos a vergonha porque de repente nos apercebemos que conquistamos o direito de fazer determinada coisa e já não nos interessa o que os outros possam pensar. Nesse momento podemos abarcar a nossa marginalidade e abanar os ombros ao olhar presunçoso dos outros.
domingo, julho 17
«How was he responsible for this lost Val?»
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