Ouço o Jorge Palma constantemente, canto as músicas dele cada vez que me sinto só e nesses momentos penso que a distância que vai de mim ao outro também se consubstancia nisso: no conhecimento das músicas dele, no seu rosto, na postura dele
Quero sentir magia na minha vida, quero sentir que ela me pode alcançar, quero essa energia viva dentro de mim, quero que o meu coração seja um órgão envolto em generosidade e amor. Quero ser surpreendida pelos outros, ostensivamente, positivamente surpreendida. Mas tudo à minha volta me parece tão seco e árido. Faço um esforço para ser sincera, cruamente honesta comigo mesma, uso a escrita para contornar as feridas. Mas quando entro dentro de mim sinto-me envolta em escuridão, sinto os sentimentos oscilantes, a tristeza perto. Procuro a frase, a oração, o ritual que me devolva aquilo que mais falta me faz, que me devolva o sentido das coisas, que me devolva a crença na minha beleza, nas mimhas potencialidades. Mas depois penso para que serve essa auto consciência, para que serve essa intuição, portadora de maus augúrios, para que serve sentir as coisas até aos ossos se isso não me traz nem felicidade nem liberdade. A densidade da minha alma devia servir para alguma coisa para além da expressão de lamentos e interrogações.
Dizem que vai nevar. Lembro-me da última vez que vi neve, há pelo menos vinte anos. Era eu uma catraia a caminho de escola. Lembro-me das botas que usava nos dias de chuva, do rosto da minha professora, do calor da minha mãe, do meu cabelo loiro a embalar o meu rosto de menina. Lembro-me do caminho que percorria até chegar a casa e pergunto-me se esse caminho ainda existe, se eu algum dia voltarei a casa, se eu voltarei a beber água da fontinha, se regressarei a Viana por altura das festas, se voltarei a ver o fogo da ponte? É engraçado perceber como o passado de repente se transforma numa personagem, como o nosso património de repente ganha asas e agitação.