terça-feira, maio 29
O antes e o depois
Quem me dera ter o coração vazio. Quem me dera que existisse um manual de sobrevivência, que me ajudasse a sobreviver a tudo isto. Quem me dera saber expressar em palavras o manancial de coisas que sinto. Quero ter forças para recuperar a pacatez dos meus dias, voltar a ter como ferramentas de descoberta do mundo as palavras, os textos, a capacidade de me rir de mim mesma. Se calhar estou mesmo a precisar de umas férias, mudar de cenário, respirar fundo. As minhas atitudes e a minha vontade espelham um conjunto de clichés. Infantilmente espero que as coisas mudem, voltem a ser aquilo que eram dantes. Com a teimosia que somente as crianças têm, exijo de deus uma resposta, uma saída, alguma espécie de tranquilidade. É esse silêncio infantil que eu não consigo combater que me fere. É esse corpo que trazia perto, que podia explorar a meu bel prazer que me faz falta. É a ausência dele em mim que me magoa, o desejo de o ter, um cheiro que já não é um corpo, toda essa intimidade quase conjungal que se esfuma. É a culpa, a procura de respostas, o vazio de um espaço outrora ocupado por um terceiro.
domingo, maio 20
Jerry
Esta semana tem sido particularmente difícil e sinto-me tão desamparada, como se eu fosse a única pessoa com a qual eu posso contar e sinto a cabeça tão cheia de imagens catastróficas.
Fui caminhar, pela primeira vez na minha vida, passei a semana inteira a chorar e há dias que não durmo como deve ser. Preciso de um abraço e de algum conforto e não sei aonde os posso ir buscar. Como canta o Jorge Palma, ‘sinto-me frágil’, ou a Mafalda Veiga, ‘hoje o tempo dói’. Estou sozinha e tenho que me habituar à ideia de que não existe príncipe encantado nenhum, que ninguém me vai salvar e que não posso colocar na mão de estranhos o meu bem-estar, a minha felicidade. Agora percebo porque é que as pessoas bebem. Se bebesse, bebia para poder cessar toda esta actividade cerebral, por um momento de oblívio, de esquecimento.
Mandei na semana passada um postal para o Sérgio, com a imagem de um sapo, verde e risonho. Imagino a sua surpresa quando receber uma carta endereçada a ele. Um miúdo de sete anos a receber cartas.
Queria estar num lugar qualquer, ter os recursos para fazer as malas e viajar até a um sitio onde pudesse estar em sossego, estender-me sobre os sons da minha língua, fundir-me com o chão de uma livraria, percorrer as ruas de Lisboa ao som dos eléctricos. Estar entre amigos a discutir antropologia, o estado do mundo, politica internacional, direitos humanos, livros como se eu realmente fosse essa intelectual que aparento ser nesta dissertação. Mas tenho saudade dos cheiro e do silêncio das bibliotecas, da ansiedade antes e após os exames, das cantinas universitários. Sinto falta de ter esse estatuto definido, de saber o que escrever quando nos formulários te perguntam qual é a tua profissão, pois já não tenho o direito de dizer que sou estudante. Estou farta de não encontrar eco nos outros. Tantas e tantas vezes sinto que comunico apenas em monólogos, que falo sozinha mesma quando falo com os outros. E sempre que alguém me deixa mal, tenho essa vontade estúpida de puxar pelas orelhas do fulano ou da fulana e gritar que eu não mereço ser tratada assim.
Cada vez mais se torna difícil confiar em alguém, Raquel. Deixar os outros entrar, sem desconfiança, com o coração aberto, com a leveza infantil das crianças vai se tornando em algo quase impossível. Tenho pouca fé nesta humanidade, tenho pouca fé nas pessoas que me rodeiam e estou sempre à espera de ser decepcionada de uma forma ou de outra. Porque todos nós vivemos nas nossas pequenas ilhas, com os nossos fantasmas e medos, quando abrimos o coração à possibilidade de um relacionamento fazemo-lo sempre com a ‘pulga atrás da orelha’.
Disse-te há tempos que queria encontrar um livro de auto-ajuda que me fornecesse dicas, outra abordagem, menos literária e mais prática, para que a decisão de seguir um caminho em detrimento de um outro deixasse de ser minha e passasse a ser do estúpido livro. É um desejo infantil, eu sei, mas não deixa de ser tentador.
Não sei se te disse, mas tenho um rato cá