sexta-feira, março 30

News From Home

Raquel
Estou a ouvir o Jorge Palma, para não variar. Após tantos anos, a música dele ainda me comove, me transporta, me eleva para além de mim mesma. Como se existisse um mundo mágico para além da vulgaridade da vida. Norte é uma música e tanto. «Quantos pontos cardiais ficarão no cais da solidão/quantos barcos irão naufragar, quantos irão encalhar na pequenez da tripulação…». Tenho a sensação que é preciso de facto viver mesmo muito para que isto faça sentido. Arranhar-te-á a vida o suficiente para fazeres tuas as palavras dele? O turbilhão que vivemos interiormente não encontra eco na pequenez do nosso quotidiano. De onde vem então este mal-estar, esta angústia, este permanente estado depressivo, que nada parece colmatar?

As minhas férias estão a terminar. Revisitei os lugares onde outrora fui pacatamente feliz. Tento obsessivamente reconstruir os pedaços de um antigo quotidiano, como se faltasse um elo entre mim e essa miúda que deixei para trás. Como se ela ainda habitasse esses mesmos espaços, numa outra dimensão talvez. A verdade, Raquel, é que nós nos habituamos a tudo, a todas as mudanças. Sentimos sim, obrigação de nos mantermos fiéis a um passado e culpa quando nos apercebemos que isso é impossível. Por isso tento a todo custo saborear uma gastronomia sem a qual eu já vivo, ler o jornal que já não me dá tanto prazer, sentir volúpia pelas pequenas coisas que traduzem esse sentimento de «portugalidade».

Vivo entre mundos, Raquel. Sempre vivi. E quando regresso sinto aquela velha decepção, porque já me habituei à ausência e regressar a casa já não tem aquele sabor, já não traduz aquela sensação de respirar fundo. Voltámos ao Variações e ao seu «só estou bem, aonde não estou». Vivo em trânsito, e penso se será por isso que não faço planos, que não projecto a minha vida para daqui a dez anos; se será por isso que palavras como permanência e compromisso me assustam. Perder o núcleo da minha personalidade, ou chegar à conclusão que isso nem sequer existe é algo que me assusta terrivelmente. Não encontrar prazer nas coisas onde outrora encontrava entristece-me. Continuo a perseguir esse sentimento de volúpia, de libertação, de bem-estar.

Viana continua a ser Viana. Sem carro, agora sou obrigada a caminhar. A ponte velha que unia Darque à cidade contínua fechada, por isso a vila que me viu nascer parece uma cidade fantasma, estilo aquelas do velho oeste. Olho para as coisas à minha volta e sinto que falta qualquer coisa. Quiçá é o hábito, a conformidade, ou a minha capacidade de adaptação, que não me permitem sentir a felicidade do reencontro com estes espaços.

Entretanto já se passou uma semana. Já regressei a Londres, a Bath Road, ao trabalho, aos meus fiéis clientes. Recebi hoje a tua carta. Falas das palavras que têm eco. Norte é para mim uma palavra que me fascina e me transporta. Talvez porque vivi anos na parta Norte do país. Na verdade a palavra Sul também se encontra revestida de sentido. Sul faz-me lembrar as planícies do Alentejo, o branco das casas, temperaturas amenas, uma ideia de infinidade.

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