«Não gosto de futebol mas sou patriota.» Rematou ela. Foi com esta frase que me calou. E eu fiquei com a resposta entalada na garganta, sem a conseguir libertar em argumentos terríveis, que deitassem por terra essa filiação patética à nação. Como explicar-lhe que a palavra patriotismo e afins me lembra a máxima do salazarismo, me recorda a tríade salazarista: deus, pátria e família? Como explicar-lhe que convivo mal com isso, como posso explicar-lhe que esse patriotismo de que se orgulha é para mim acéfalo e balofo? Também não gosto de futebol, mas ainda gosto menos de histerias colectivas. Quiçá não fui feita para sentir a felicidade efémera das vitórias desportivas. Não me deleito com a vacuidade dos discursos pré, durante e pós jogos de futebol. Não me reconheço nessa máxima anónima de pessoas que compram o cachecol com as cores da pátria, que decoram as janelas de suas casas com as cores berrantes da bandeira nacional.
«Não gosto de futebol, mas sou patriota. Por isso aprendo a linguagem futebolística, por isso torço com muita força para que Portugal ganhe, por isso defendo que o Figo até joga bem. Ele não marca golos, rapariga, ele faz os passes para que outros possam marcar, vês? Mas tu não percebes nada de nada. Também gosto de ver a entrada em campo, o momento em que entoam o hino. É tão bonito, não é? Ah, a ti nada te comove, até parece que queres que os espanhóis nos ganhem.» Continua ela. E blá, blá, blá…
O que me irrita nesta expressão é o facto de não dizer absolutamente nada. É uma daquelas expressões vazias, que vamos buscar ao baú das frases feitas, quando nos é útil. Desconstruir esta frase para alguém que não está interessado em ver o seu patriotismo reduzido a cinzas é uma tarefa contra-producente. Porque esta expressão supostamente encerra uma espécie de justificação ideológica, impossível de contra-argumentar. Porque acima de tudo apela a uma naturalização dos sentimentos e das ligações. Se não apoio a selecção, logo não apoio o meu país, não sou patriota e se não defendo as cores da minha bandeira, o que é que eu mereço? Ser excluída afectivamente dessa histeria colectiva, serem-me negados os benefícios da felicidade inócua e passageira de uma vitória. Ficar sozinha com o meu azedume intelectual, eis o meu castigo, eis o resultado de ter os pés assentes no chão. E deveria ralar-me com isso? Não, não devia. Mas quando esse nacionalismo entra pela minha casa adentro posso argumentar que somente os «intelectuais» não se entregam a ele, e que por isso é perfeitamente «normal», que a minha família se deixe embalar. Mas nem isso me consola. Primeiro porque é falso e segundo porque nós devíamos saber viver melhor estes momentos de competição entre equipas, sem que isso se traduzisse na palhaçada que vemos diariamente. Sem que isso exigisse dos comuns dos mortais frases toscas, raciocínios toscos, gestos toscos. São muitas as coisas que me transportam, mas o futebol não é seguramente uma delas e ainda que fosse tenho a certeza que não sucumbiria a essa overdose de frases sem sentido, de gesto sem sentido. Ser patriota é uma obrigação, à qual se entregam por prazer. Não interessa se é produtivo, combativo ou não. Bastará em último caso manifestar, entre cervejas, gritos e sacudidelas, essa «natural» fidelização nacional, para expressar um sentimento de pertença, baseado sabe-se lá no quê. Ocorre-me perguntar o que é que eles ajam que Portugal é. E sobretudo ocorre-me perguntar se realmente acham que existem motivos de orgulho. Por minha parte não sinto muito orgulho, nas situações em que tenho que clarificar a minha nacionalidade.
sexta-feira, junho 25
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