(…)
- É tarde, amanhã tenho de acordar cedo. A outra cerveja fica para a próxima. – Levanto-me, poiso a minha mão no seu ombro e adoptando um tom maternal digo-lhe para ir para casa a horas decentes. Ainda não perdi esse velho hábito, o hábito de me armar em mãe de quem já tem idade para ter juízo. Pego nas minhas coisas, ele diz-me que fica um pouco mais, e eu saio para o frio da noite, com a tristeza de quem já está habituada a este ritual, ao ritual de regressar a casa sozinha. Percorro as ruas, deixo a calçada, e penso em coisas existenciais, em relacionamentos, no passado, naquelas situações que ficaram por resolver por falta de entendimento cúmplice entre duas pessoas. Vou descendo a rua, lentamente, com as mãos escondidas dentro dos bolsos, sentindo que esta é, sem dúvida, a melhor altura para caminhar, para sentir os odores nocturnos da cidade, o regresso a casa de estranhos, o meu próprio regresso. Desço devagar, não consigo andar depressa, vou junto à estrada para evitar ser assaltada. Não consigo imaginar como é que o não andar no passeio pode evitar o assalto, mas sou em algumas coisas supersticiosa. A noite está clara, não vejo as estrelas, mas sinto a sua presença. Se estivesse na minha cidade olharia o céu e sentiria as pernas fraquejarem perante algo assim. Para esses momentos gosto de usar a expressão: senti que me faltava o chão debaixo dos pés. A minha cidade, o meu quarto, a minha casa, o meu pequeno mundo precário e intranquilo fica longe, às vezes perto, quando o quero perto, longe quando estou zangada com a vida.
Amanhã será um novo dia, o trabalho conjugado com a faculdade, os pequenos labores domésticos, o fazer a cama, o abrir a janela, o pôr a roupa a lavar, a estender, e secar, tudo isso que se repete semana a semana entrecortado por momentos em que a felicidade simples surge como algo tangível, suspenso no parapeito da janela, à espera que alguém a agarre. Só que é uma felicidade simples, pouco visível, esquecida, rouca, diluída no dia a dia. Pergunto-me constantemente aonde é que vou buscar a coragem para tentar agarrá-la, eu que sofro de vertigens, eu que tenho medo das alturas, até das alturas mais pequenas, como é que vou agarrá-la, ou como é que vou amar um homem alto sem recear que ele me deixe cair?
sábado, junho 12
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