Ele pensou várias vezes no que devia dizer, tantas vezes que por fim foi o dizer que desabou dentro dele, como uma tempestade. O desenvolvimento das coisas naturais como a linguagem, pensou ele então, fazia parte de um processo necessário. Porque não podia, sabendo como as coisas funcionavam calar-se. Simplesmente não aguentava o silêncio da frustração que ia progressivamente crescendo. Era uma energia que nem sequer compreendia, porque simplesmente não era traduzível em palavras, ou em gestos. Era imensa, dolorosa, e ele mastigava-a, sem se conseguir libertar. Ela existia e ele estava bem ciente disso. Existia dentro dele, no seu interior. Durante anos tentou encontrar uma linguagem capaz de verbalizar a densidade do mal-estar que o mundo lhe inspirava, as palavras certas para expressar os sentimentos que lhe enchiam a alma, desde dos temores à euforia. Não conseguia encontrar aquela dinâmica deambulatória entre os argumentos e os contra-argumentos, aquela simpática prontidão de resposta para a defesa das suas formas de ver o universo, visões do mundo que ele também não compreendia como podiam ser só suas, dada a certeza que possuía de que as coisas só podiam ser assim. Era impossível que fossem de outra forma e as ideias dos outros eram apenas versões distorcidas da mesma realidade. Uma questão de economia formava a relação que mantinha com os seus pensamentos. Ele sabia que era necessária a expressão verbal ou gestual das ideias que quotidianamente o invadiam. Sabia que essa era uma tarefa fundamental e que o conhecimento e a mestria que daí resultava constituíam um saber que valia a pena partilhar.
Tendo dedicado longos períodos de reflexão a essa actividade cedo chegou à conclusão que a expressão verbal ou artística dos seus pensamentos permitia ampliar e alargar o espaço da sua mente. Essa actividade permitia não só exercitar a mente para os segredos da retórica e do discurso como possibilitava sobretudo criar espaço para outras ideias entrarem e circularem no espaço mental e reflexivo do seu espirito. Sabia que existiam pensamentos que se fixavam em determinados pontos e que arrastavam consigo outros pensamentos para ele perniciosos. Liberta-los, exigia dele uma agudeza de acção e uma destreza na manutenção da disciplina à qual se tinha obrigado. Não deixava nada ao acaso e treinava a sua memória para prestar atenção somente àquilo que ele considerava indispensável. A sua mente era caracteristicamente elástica. Consoante os anos iam passando foi aperfeiçoando essa técnica. Era um senhor simpático, diziam, com um temperamento um tanto explosivo, que produzia longos e enfadonhos discursos sobre quase tudo. Dava a impressão que era um homem simples e austero, uma pessoa de hábitos, que não tinha grande apreço por mudanças, fossem quais fossem. Ele pensava que o mundo girava e girava e que era difícil manter os pés assentes no chão. Vivia de forma simples, sem luxos, ou excessos. Vivia como uma espécie de ermitã, na esperança de encontrar uma forma mágica que banisse da linguagem as palavras. Tinha por hábito dizer que pronunciar sons cansava deveras a garganta. Como seria mais fácil comunicar sem articular sons, sem sequer abrir a boca, comunicar sem sentir aquela absurda intenção de falar. Para ele a ideia de paraíso resumiasse a isso: a uma linguagem telepática. O que culminaria na supressão da distancia que ia dele ao outro.
sábado, junho 12
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