segunda-feira, junho 21

Depois da noite

«A escrita é uma amante caprichosa. O desejo era, em mim, um poço de água benta, incorruptivelmente casto. O desalento que sentia, o mal-estar que, por hábito, se apoderava de mim cumpria uma função pedagógica e o que outrora servia de matéria ficcional deixou de ter qualquer interesse. Cantei o amor que sentia por ti, da mesma que outros o fizeram antes de mim. Percorri os mesmos lugares comuns, fiz uso das mesmas palavras sem sentido, sintomas apenas de um sentimento de desejo amoroso, que se manifestava em metáforas. Há anos que desejo pedir-te desculpa por esses devaneios românticos, por esse excesso linguístico, por ter sucumbido a essa escrita excessiva, imbuída de uma sensualidade fácil e vulgar. Agora que o meu tempo é infinito, agora que a minha mente navega entre o passado e o presente, neste momento único em que apareces para colmatar o tédio que me invade, dou comigo a pensar no tempo que se foi, a usar a memória para romantizar o nosso encontro, a minha fuga e a tua despreocupação.»

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