quinta-feira, maio 20
Fala o M
A chuva é estreita quando cai nos teus ombros. Escuto na tua voz o som do mundo. Amo a terra e o teu rosto com a mesma dedicação. A chuva é estreita quando cai na minha janela. Atrás do cortinado algo se esconde. O quê? Pergunto o que é que o teu rosto esconde?
A chuva é estreita quando encolho os ombros. A chuva é estreita quando à noite puxo os cobertores até a cabeça. Estreita é a chuva quando ouço a voz do meu primo ecoando na minha memória. «Tita», «eta» tornam-se no som cândido das minhas recordações.
Ela fala de silêncio e silêncio na boca dela ganha uma conotação quase mítica, torrencialmente metafórica. O espaço silencioso que separa duas pessoas, aquele milésimo de distância que vai de mim ao outro, esse pequeno gargalo é uma das suas obsessões. Procura, então analiticamente superar o dilema, esse cessar de proximidade integral, fazendo da distância algo de inevitável. Digo analiticamente, querendo com isso dizer intelectualmente. Dessa forma retiro a afectividade, uma vez que emocionalmente a distância ontológica entre dois seres continua a ser algo que ela sente dolorosamente. Para tudo tenta encontrar um significado, que tanto pode ser racional como pode ser místico, religioso ou poético. Para ela, e fazendo parte do entendimento que ela tem do mundo, existe uma significação muitas vezes mística, intrínseca a todos os momentos. Com a escrita e fazendo uso das palavras mais próximas àquilo que ela quer exprimir, tenta uma aproximação ou uma reconciliação com o mundo social. Ela diz que o encontro com a escrita foi um encontro casual, simplesmente aconteceu. No entanto as palavras vivem na textura das suas mãos e o conhecimento que ela tem do mundo, o saber que ela expressa passa pela metamorfose dos textos. A alma dela encontrou a escrita, a sua invenção do mundo passa pelas palavras, sem dúvida. É um acolhimento caloroso, muitas vezes sofrido, mas vital. A escrita surge nela como uma forma de sublimação da tristeza.
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