domingo, janeiro 30

Somethings never changed

Chego à conclusão que a escrita é a expressão de um conjunto de hipóteses, é a expressão no papel de um conjunto de experiências literárias. Não importa que ela fale de sentimentos, ou de encontros ou angústias, a escrita é apenas uma forma de trabalhar materiais existenciais, de tentar coisas, de testar a minha tranquilidade. É uma forma de desocultar as fontes. É sobretudo isso, não apenas isso, mas essencialmente um meio de revelação, de revelação de um rosto.
Ouvi deus dizer que eu não era aquela que lavava o rosto na água do rio, eu era o próprio rio, cujas águas corriam ao ritmo do solo, das concavidades, do vento. «Não te preocupes» dizia ele. «O rio encontra sempre a maré.» Não quero a minha água estagnada, é tudo o que posso dizer. Quero que ela corra, limpa, serena, se dilua na terra, nas pedras, como uma força energética. O meu relaxamento funda-se assim, nessa espécie de dialogo que travo. Sinto o meu rosto feito água, sinto a água que corre, sobe e desce, se encontra e se funde. Onde estás que não te ouço, onde habita esse rumor que é a tua voz? Hoje sinto que sou feita de matéria, qualquer coisa sedosa e extremamente frágil. Dói-me o corpo de tanto pensar.

A poesia do Eugénio

Nos dias em que não há redenção ou conforto possível surge na minha mente a expressão encostar o meu rosto à poesia do Eugénio. A uma poesia, que sabe a água e a sal, que arrefece e aquece ao ritmo das marés, tenho urgência em dizer que a minha paz sucumbe de vez em quando, sobe e desce, esmorece e desperta, dá ao meu rosto uma cor rosada e ao meu corpo um arrepio de frio. A uma poesia que procura na carne e na matéria um alimento ou um regresso a um espaço materno tenho ânsia em dizer que a minha alma precisa de um conforto assim. Nesses momentos sinto-me regressar ao banco do jardim ou ao parapeito da janela. Encosto, então, a minha tranquilidade sob os joelhos e ainda que não saiba das palavras exactas do Eugénio sei do ritmo que as envolve, sei dessa procura pela exactidão, sei do cheiro e do odor, sei do movimento desses versos, sei desse corpo que se estende, desse corpo que quero azul, sei desse país onde teu corpo principia. Vou recitando extractos de alguns versos que recordo. Que mais posso eu dizer? Que mais posso eu pensar para além do universo comum de incertezas em que me movo, esperando que um milagre aconteça, rente à carne e ao sangue, rente a todo o amor que as minhas palavras são capazes de exprimir? Que faço eu aqui (stupid question, I kown), porque é que não atinjo aquele bem-estar especial, completo, porque é que não encontro, pelos caminhos em que me movo a beleza da revelação, aquela percepção do sentido das coisas?

Boys & Girls



Como gostaria de ser um puto de seis anos, com um amigo imaginário, uns pais neuróticos, capaz de fazer as caretas mais incríveis, e ter os pensamentos mais bizarros. Trocaria os meus problemas existenciais pelas questões filosóficas e morais que atormentam o Calvin. Seria bom ter o Hobbs como amigo, para pedir conselhos e para despejar a opressão que tantas e tantas vezes sinto presa ao peito, como uma força, um desabafo em suspenso, violento e doloroso, como se se tratasse de um ruminar lento que não cessa. Apanho pedaços de entusiasmo pelo caminho, pedaços pequenos e transparentes, não densos, não persistentes; o meu tédio é mais teimoso que a energia que me habita.
Com tudo isto vem a culpa e o ressentimento, vem aquilo que não sobrevive à minha auto-estima, vem a sensação de que tenho algo para fazer e que o alcance de um respirar suave e tranquilo passa pela concretização dessa tarefa. Nem vale a pena pensar em encostar o meu rosto a um poema, porque as implicações morais da minha inércia ultrapassam o lado romanesco e mágico que quero rente à minha vida.

quarta-feira, janeiro 26

Something to think

In this awful world where the efforts of caring people often pale in comparison to what is done by those who have power, how do I manage to stay involved and seemingly happy?
I am totally confident not that the world will get better, but that we should not give up the game before all the cards have been played. The metaphor is deliberate; life is a gamble. Not to play is to foreclose anychance of winning. To play, to act, is to create at least a possibility of changing the world. There is a tendency to think that what we see in the present moment will continue. We forget how often we have been astonished by the sudden crumbling of institutions, by extraordinary changes in people's thoughts, by unexpected eruptions of rebellion against tyrannies, by the quick collapse of systems of power that seemed invincible.

The Optimism of Uncertainty,
by Howard Zinn,
September 30, 2004

Às vezes o mundo parece um grande buraco negro, incapaz até mesmo de se regenerar. Às vezes precisamos que alguém nos lembre que as coisas mudam. Este senhor, hoje de manhã, no Daily Show, lembrou-me algo que já me tinha esquecido, uma paixão pelo pensamento crítico que estava em mim adormecida.
Aqui fica o site dele para futuras leituras: http://www.thirdworldtraveler.com/Zinn/HZinn_page.html

Isn't he Sweet?

«Loira,
Numa época em que todos parecem ter o privilégio de poder oferecer contas de Gmail como se se tratasse de algo exclusivo e elitista, eis que TU também poderás fazê-lo, dado que em breve também farás parte deste clube exclusivo!! Enjoy!
With my regards,
O teu D.»

(de um mail do D.)

Still Here

Hoje a Célia deu-me boleia até casa. Para além do conforto de não ter que andar de autocarro num dia frio como este, foi sobretudo a kindness dela que me transportou.
Agora são sete e tal e aguardo que o messenger dê sinal de vida.
A escrita quotidiana nunca é fácil, daí os meus prolongados silêncios. Quando chego a casa, há sempre tantos pormenores que raramente sobra tempo para articular pensamentos.
But I'm still here... listening to Sade...
And it's Daniela. My name that is...

domingo, janeiro 23

I feel like a twelve year old girl...



Excertos de uma troca de correspondência com a Sandra, durante a formação. O módulo chama-se qualquer coisa como Cooperação Empresarial e é dado pelo homem mais insípio, que já tive o desprazer de conhecer. Caricatura-lo tornou-se num gesto de sobrevivência. A Sandra é muito certinha, com os seus cabelos longos, encaracolados e as suas canetas de várias cores, mas até mesmo ela sucumbe ao tédio nestas aulas.

I said «How are you? You look bored.»
Sandra answer «After a heavy meal, I feel renewed. Today he (the teacher) has something especial»

A partir daqui foi só disparates.... :)

O Diário de Campo

Olá Daniela!

Aqui vão algumas passagens do diário de campo.
Achas que dava para publicar, ficar famosa e viver de rendimentos o resto da vida ? ;-)


19 de Março de 1999, sexta-feira
"Saímos de lá cansadas, com calor, chatas, rabugentas e implicantes"
(depois da visita à casa de idosos dos ferroviários no Entroncamento)


24 de Março de 1999, quarta-feira
"Encontro no bar da Faculdade, leitura de textos sobre a solidariedade, muita moleza, pouco empenhamento, nenhuma ideia brilhante. Apenas coisas soltas, vagas, mas sem nada a uni-las. Enfim, um dia quase perdido"


19 de Abril de 1999, segunda-feira
"Apanhámos o 28 e fomos até à Voz do Operário recolher bibliografia sobre greves e movimentos grevistas. Na biblioteca estava uma barulheira terrível pois estavam lá crianças na Internet"

8 de Maio de 1999, sábado
"Estivemos também um bocado na livraria onde a Daniela, delirantemente, descobriu um poeta anarquista de Viana do Castelo"
(...)
"Eu e a Daniela aproveitámos para procurar o livro do "Miguelito" mas todas as livrarias que vimos estavam fechadas. Estará esta história a ultrapassar os limites do racional?"

9 de Maio de 1999, domingo
"Dia de participação na Campanha do Banco Alimentar"
(...)
"Doem-me extremamente as pernas. As impressões ficam para depois"

(E-Mail enviado pela Raquel)

terça-feira, janeiro 18

Outros Destinos



Comprei através da Fnac este livro, em memória das minhas aulas de Antropologia das Sociedades Contemporâneas, dadas pela Prof. Mia. Uma cadeira que me deu uma outra versão da realidade. Não creio que a minha relação com a Antropologia seja uma relação mal resolvida, mas é complicado estabelecer um equilibrio entre aquilo que sei e a forma como quero estar na minha vida. É complicado explicar, mas hoje sinto uma falta imensa desse universo académico e só quero ter a possibilidade (e sim, D, eu sei que só depende de mim) de volta a estudar, de voltar a discutir o Homem, as suas políticas de idendidade, o outro e o nós, o fazer terreno, a escrita antropológica, todas essas matérias que me fascinam.
Ainda não comecei a ler o livro, mas pelo índice parece muito interessante. Tem vários artigos que discutem a relação entre a Antropologia e o Turismo.
O livro foi bastante caro, mas acho que valeu a pena. :)

segunda-feira, janeiro 17

News from Viana

«(...) Continuo com aos 18 anos a sonhar com 'other versions of reality'. Às vezes é mesmo um desejo escapista de outras paragens, às vezes é mesmo como uma canção de António Variações, o mero estado de alma de 'só estou bem onde não estou' (...)»

Miguel Vale de Almeida

Olá R.

Começo a minha carta com uma citação do Miguel. Ando a reler o último livro dele, numa tentaiva de trazer a Antropologia de volta à minha vida e alimentar, dessa forma, o projecto da minha cidadania. :)
O que considero particularmente fantástico no livro é a forma cristalina com que ele trabalha um conjunto de dúvidas, interrogações e desabafos que há anos faz parte das nossas vivências académicas. Desde a definição de Antropologia, ao papel que se espera de um docente nesta área, passando pelas motivações que levam jovens de 18 anos a enveredar por este curso, tudo se encontra lá, como se ele tivesse registado graficamente todos esses questionamentos e inquietações que caracterizavam as nossas conversas de café.
Por minha parte nunca concebi a Antropologia como mais uma licenciatura, cuja a única mais valia seria providenciar um canudo sem exigir muito trabalho, nem muita fidelidade. A Antropologia deu-me, pelo menos, acesso a essas outras versões da realidade. Se não me garantiu um acesso completo, pelo menos, mostrou-me a existência dessas 'other versions of reality'. Se, por um lado, me facultou os instrumentos para perceber como funciona o mundo que me rodeia, por outro lado, exigiu que usasse esses mesmos instrumentos e ferramentas para pensar a minha própria vida e os mecanismos inerentes à construção dos meus próprios delírios. É, por isso, que não tenho uma relação pacífica com as minhas memórias, com os espaços, com os outros, com a minha afectividade. E porquê? Porque descubro por detrás de tudo isso estratégias, mecanismos, dinâmicas ocultas. Eu sou também o outro e essa constatação leva-me a viver nas margens de dois universos, experimentando um equilíbrio precário entre as várias faces do meu self.

Intelectual?

«(...) velha noção de intelectual como aquele que pôe em causa as visões 'normal' e oficial do mundo.»
Miguel Vale de Almeida, Outros Destinos.

Quando me refiro à falta dessa 'urbanidade intelectual' refiro-me exactamente a esta noção de 'intelectual': à possibilidade e ao desejo de interrogação de um status quo que nós não definimos, mas que nos pertuba e revolta e para o qual tantas e tantas vezes não temos palavras esmagadoras.

domingo, janeiro 16


The Starting Point

A repetição de uma palavra

Há dias em que sinto falta absoluta de Lisboa. Não da cidade geograficamente localizada, mas daquilo que ela em mim representa: essa hipótese de «cosmopolitismo», ainda que numa cidade tão provinciana, a hipótese de uma vivência urbana, desprendida e solta. Não sei como explicar a sensação sem cair em lugares comuns. Sinto falta de uma espécie de «urbanidade intelectual», que sei que existe apenas ao nível do meu imaginário. Sinto falta dessa profusão de formas de estar, viver e falar. Sinto falta da minha casa, com vista sobre a Avenida Dº Carlos, do 49, dos electricos, dos cafés e dos quiosques e do azul da faculdade. Dessa imagem de irreverência e de «esquerdismo» que decorava os muros daquela instituição que me formou.

terça-feira, janeiro 11

News from a Strange Place

Mais uma vez te escrevo para colmatar o tédio da minha formação. Perguntas, concerteza, que novidades justificam o envio de mais um registo melancólico e nostálgico: eterna forma de pensar o meu mundo e o meu dia-a-dia.
Cara amiga, novidades só no Continente (resposta que a Paula costumava dar à mesma enfática pergunta!). Não notarás o tom prazenteiro da minha voz nesta carta, porque tais particularidades não sobrevivem ao registo escrito. Começo por te dizer que o Público agora custa 85 cêntimos, que a mulher/senhora que trabalha no café onde costumo tomar café (?) todas as manhãs é de uma antipatia atroz, que hoje vou fazer exame de código e que neste exacto momento sinto a minha energia evaporar-se, como se se tratasse de ar. Sucumbo nesta formação ao mais rude tédio, a um aborrecimento completamente inútil e inócuo. E sinto, sobretudo, o esmorecimento de uma inquietude intelectual que sempre formou o meu espírito. Sinto falta das aulas que punham o meu universo de pernas para o ar, que alteravam a percepção da realidade que nos envolvia. Sempre pensei que todo o conhecimento era válido, que poderia ser eventualmente aproveitado. No entanto, esta formação veio demonstrar que estava errada. Anseio apenas pela conclusão de tudo isto, para que depois possa fazer uma lavagem celebral e limpar a minha mente desta poeira.
A futilidade disto enerva-me, a intransigência de um tempo que teima em não passar irrita-me terrivelmente.
Hoje chove e não trouxe guarda-chuva... Ai ai

segunda-feira, janeiro 10

Questões de Antropologia

« (...) Anthropology appears determined to give up its old ideas of territorially fixed communities and stable, localized cultures and to apprehend an interconnected world in which people, objects; ideas are rapidly shifting and refuse to stay in place. » Akhil Gupta & James Ferguson

Quando já começava a pensar que ideias como estas já se estavam a tornar uma espécie de denominador comum de entendimento, acontece algo que me faz descer à terra. As pessoas continuam a conceber a cultura como uma coisa que existe, estática, presa a um espaço, pronta a ser apreendida. Como se se tratasse de um bolo já feito, e não de algo maleável, manipulável, capaz de se movimentar até mesmo quando nem sequer saimos do mesmo lugar.

domingo, janeiro 9

I save the world today

Já cheguei à conclusão que nunca faço aquilo que devo fazer e quando o faço raramente o faço na altura certa. Tal constatação resume a minha personalidade e se juntar a isso a inercia e a preguiça, descubro o meu rosto. A minha auto consciência dá-me pelo menos a liberdade de sublimar as minhas fraquezas e escrever sobre elas.
Acho que os meus 25 anos, ainda que pueris, me trouxeram a vantagem do «cansaço existencial», e com ele a hipótese de me rir de mim mesma. Sinto que já não tenho necessidade de agradar a ninguém, ou de ser simpática, ou atenciosa. Como se pudesse agora assumir a minha excentricidade e mandar os outros eloquentemente à merda.
Claro que o meu pessimismo é também circunstancial. É sobretudo circunstancial e nos dias em que a chuva cai, para logo em seguida dar lugar ao Sol, sinto-me quase em paz, como se uma espécie de bem-estar caisse sobre mim. Infelizmente esse caminho para o contentamento não se encontra ilustrado em nenhum mapa da vida, por isso resta-me esperar pelos momentos oportunos de felicidade e leveza.

The Eternal Sunshine of the Spotless Mind



Hoje à noite vou ver este filme e sonhar com o cabelo cor de laranja da Clementine...

Lazy every day...

Amanhã vou acordar assim...

sábado, janeiro 8


Women

quinta-feira, janeiro 6

Pensar em inglês

I seek a moment of sweet confort, to allow myself a minute of peace, to breath smoothly, to catch a glimpse of light. How can I transform the sorrow into something good?

Gifts

A Raquel ofereceu-me meias coloridas (lembranças dos tempos em que ia à loja das meias na Rua Augusta) e a Srª Luísa perdou-me a minha dívida no video clube. :)
São prendas como estas que fazem sentido.

quarta-feira, janeiro 5


All That

News From Home...

Olá R

Recebi hoje o teu e-mail apocalíptico e auto-destrutivo e gostava de ter palavras sábias e esperançosas para te oferecer mas não tenho. Sinto o mesmo fatalismo que descreves, a mesma paralisia em todas as dimensões da minha vida.
O Jorge Palma lançou um novo CD, Norte, mas o Jorge Palma já não é o mesmo: deixou de beber, trocou a boémia pelos ‘patinhos’. Vi-o na televisão com uma cara tão saudável que fiquei a pensar que as coisas realmente mudam e que com a idade até os mais marginais regressam a casa. Eu também sou marginal; eu que nem sequer fumo, que já não bebe, que vivo tristemente sem vícios. Mas a minha marginalidade de espírito vive colada à pele e raramente me larga. Gostava realmente de possuir o cosmopolitismo urbano do D e do M, mas não a verdade é que não possuo. Tenho uma personalidade sonâmbula e taciturna e o contentamento quotidiano raramente me atinge.
Sucumbo ao tédio na minha formação imposta. A faculdade está longe, mas quando me encontro naquela sala fria a ouvir matérias pelas quais tenho apenas repulsa, sinto falta das nossas aulas, da Antropologia, da visão do homem que nos transmitiam. As noções que aprendemos a manejar, que nos ensinaram a olhar o mundo com outros olhos, desconfiados e críticos, não tem lugar aqui. E assim vivo nesse silêncio, por falta de ter alguém, formado nas mesmas matérias, com quem possa discutir ideias.
Deixo todos os dias o computador ligado para “sacar coisas da net”, como diz o meu irmão. Inicialmente vivia na mais completa angústia que lhe acontecesse alguma coisa. Que faria eu sem ele, R? Sem o meu e-mail, os meus E-books, sem os meus documentos mais que pessoais? Sem o meu quarto, sem os papéis, as imagens e os postais que tenho colados na parede? Que faria se não conseguisse aceder aos blogs que leio diariamente? E se se fechassem as portas que me fazem sentir uma cidadã do mundo, o que faria?

Fica bem
D

Just Smile

terça-feira, janeiro 4

Sign Out?

«O Tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio; é um tigre que me despedaça, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo» JLB

Há dias em que nem mesmo a perspectiva de rendição nos salva.