domingo, maio 16

Older Women II

«Herdei do ramo feminino da minha família as linhas cheias do meu corpo, o conhecimento simples do amor e do tacto. Herdei também essa espécie de sapiência no viver, no amar. A mesma necessidade de aceitação, a mesma tolerância pelo lado da vida que se quer oculto. Escondi palavras ao longo da vida? É certo que sim. Tive sabedoria para me integrar completamente, para deixar que os outros se rissem da sua própria ignorância? Claro que não. A minha sensação de viver em suspenso foi permanente. Não tive um momento que resguardo e sempre ansiei por isso, por encostar o meu rosto a poesia do Eugénio.
É certo que perdi o rumo da morte, se a quisesse procurar não saberia por onde começar. Por isso fico à espera que ela me encontre, que ela esbarre em mim e me reconheça. Às vezes sinto-lhe o bafo, ou a presença. Às vezes parece que se esconde atrás dos cortinados. Fecho os olhos e fico à espera. Anseio por olhar nos olhos o que sempre antevi imerso nas sombras. Essa presença abafada, da qual nunca falamos, por medo de a despertar. Essa presença encostada ao ouvido e à imaginação. Tanto tempo perdido em coisas sem sentido, em coisas que estão fora e não dentro de nós. O que fazer para recompensar tudo o que não fiz? Todas as más decisões que tomei? Toda a falta de disciplina que durante toda a minha vida esteve presente? Se pudesse voltar, berrava mais, tenho a certeza.»

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